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Belo Horizonte completou 123 anos

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Belo Horizonte comemorou 123 anos de existência dia 12/12/2020 com aquele abraço virtual dos cerca de 2,5 milhões de moradores, como manda o protocolo em tempos de pandemia. A cidade, que foi planejada para se ater aos limites da avenida do Contorno, cresceu muito além e se desenvolveu em diversas áreas. Agora, a pergunta a se fazer é: aonde BH quer chegar? 

No último dia 30, em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, o prefeito reeleito da capital, Alexandre Kalil (PSD), destacou três desafios a serem superados pelo município nos próximos anos. “Se alguém trouxer pra mim a solução de transporte público, resíduo sólido e morador de rua, eu aceito na hora”, disse o prefeito.

Em Belo Horizonte, boa parte dos usuários se queixa das condições do transporte coletivo e do valor da tarifa – R$ 4,50, a segunda mais cara entre as capitais do país, junto com a de Curitiba (PR). Também faltam corredores exclusivos, ônibus mais confortáveis. Isso sem falar do metrô, com uma única e insuficiente linha e viagens escassas.

Reduzir a produção de lixo é outro desafio da capital mineira, assim como aumentar a coleta seletiva, que hoje atende apenas 45 dos 487 bairros de Belo Horizonte. 

Já a questão dos moradores em situação de rua, também citada por Kalil, passa por uma série de fatores, como déficit habitacional e racismo estrutural. Dados do Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal, divulgados em julho deste ano, mostram que BH possui pouco mais de 9.000 pessoas nessas condições, 50% de todo esse público presente no Estado.

A reportagem de O TEMPO foi atrás de especialistas renomados, um em cada área, em busca de possíveis caminhos. Eles apontam algumas sugestões para os problemas, mas ressaltam que muitas delas dependem de ações integradas entre governos e prefeituras, participação popular etc. Então, como a idade de BH sugere, 1, 2, 3 e já! Confira nas páginas a seguir algumas ideias.

O que diz a PBH

A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou, por meio de nota, que fiscaliza o transporte coletivo 24 horas por dia, solicita ônibus extras quando necessário e, em relação à tarifa, segue a fórmula paramétrica prevista em contrato. 

O município também tem meta de aumentar a coleta seletiva, mas diz que isso depende da adesão da população e do consumo sustentável. 

Sobre a população em situação de rua, a PBH informou que tem 16 unidades de atendimento, com capacidade para até 2.033 pessoas,  que ampliou o Bolsa Moradia de 250 para 1.140 vagas e que tem previsão ainda de zerar a fila do benefício até o fim de 2021. O Executivo municipal declarou ainda que ampliou a equipe de abordagem que faz o direcionamento das pessoas em situação de rua para inserção em políticas sociais e, a partir do Programa Estamos Juntos, colaborou para incluir mais de 400 pessoas em políticas de emprego e qualificação profissional.

TRANSPORTE COLETIVO

Belo Horizonte tem a segunda maior tarifa entre as capitais do país. Porque isso ocorre e como reduzir? Enquanto a gente achar que quem paga a tarifa do transporte coletivo é o usuário e só ele tem que arcar com esse custo, a gente vai ter um cenário como esse, ou mais caro ou mais barato, mas próximo de R$ 4,50 a R$ 5. A gente só vai reverter isso no dia que perceberem que tem que ter subsídio, que alguém tem que ajudar a pagar essa conta. O benefício de uma pessoa que está usando o transporte coletivo vale para toda a cidade. Então, toda a cidade tem que arcar.

De onde a prefeitura deve tentar explorar novas fontes de recursos para o transporte? Temos sistemas de transporte rodando sem pagar nenhuma taxa. São Paulo taxou os aplicativos. Por que nós não fizemos isso? É só taxar e pôr como subsídio na tarifa do transporte coletivo. Por que eu não ponho o dinheiro das vagas de rotativo na tarifa? É difícil falar em uma taxa nova nesse momento, mas ninguém nunca questionou que o IPTU tem taxa de lixo. É uma empresa privada, prestando serviço público de coleta de lixo, e todo mundo acha normal pagar isso no IPTU. Por que eu não posso ter dentro do IPTU uma pequena taxa que ajude a bancar o transporte coletivo? Na soma, você acaba pagando menos. 

A prefeitura tem praticado uma queda de braço com as concessionárias. Não aumenta a tarifa, as empresas tiram os cobradores, e a prefeitura aplica multas. O que fazer? A prefeitura tem um limite em multar, porque, a partir do momento que a multa aumenta muito, existem outras cláusulas de contrato. Esta não é a forma mais correta de propor a solução do problema: estica a corda e, quando ela estiver quase arrebentando, senta todo mundo aqui e vamos conversar. Mais importante que os cobradores: onde estão os postos de venda? O acesso ao bilhete está garantido em qualquer lugar da cidade? Este é o maior problema. Uma rede de compra de bilhetes não é difícil de ser feita. Eu não tenho isso funcionando, então eu tenho um prejuízo ao usuário.

Muitas pessoas moram na região metropolitana e trabalham em BH, e vice-versa. O prefeito consegue melhorar o transporte da cidade sem conversar com os vizinhos? Os gestores precisam conversar. A BHTrans só pensa em Belo Horizonte e não está disposta a discutir o metropolitano. O metropolitano também não está disposto a discutir Belo Horizonte. A discussão é pautada por outra lógica, que não o benefício do usuário.

A ampliação do metrô também ajudaria a resolver a questão da superlotação, pelo menos no Barreiro, onde a linha é prometida? Com certeza. É um modelo de transporte muito mais eficiente, mais adequado para esse longo deslocamento para o Barreiro. A gente não precisa de mais projetos para o metrô, a gente precisa de dinheiro para implantá-lo. Quando chegar o dinheiro, a gente pensa no que tem que consertar naquele projeto. O metrô de Belo Horizonte tem um problema: ele quase vai a algum lugar, mas não vai a lugar nenhum. Então, ele precisa de alimentação o tempo inteiro. Ele quase chega ao centro da capital, mas sai à direita e tangencia. 

Renato Guimarães Ribeiro
Professor do curso de engenharia de transportes do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG). Doutor em engenharia de transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Já atuou como subsecretário de Regulação de Transporte de Minas Gerais e assessor da presidência da BHTrans.

RESÍDUOS SÓLIDOS

O que são os resíduos sólidos? Os resíduos sólidos são tudo aquilo que foi utilizado por alguém e vai ser descartado no ambiente. Nós temos os resíduos úmidos que seriam os restos de alimentos, por exemplo. Os resíduos sólidos são as embalagens, garrafas PETs, alumínio, os eletrônicos etc. 

O senhor fala em redução na produção de resíduos sólidos. Quais seriam os principais vilões? Um resíduo que impacta muito os aterros são os entulhos da construção civil. O volume de entulho é muito grande. Por que o município não chama as empresas? Ele pode dar incentivos de impostos para que os resíduos da construção civil sejam separados para voltar ao setor como material novo para ser utilizado. Podemos fabricar blocos de concreto a partir dos entulhos, e isso voltar para a cadeia produtiva, em vez de ir para o aterro sanitário. Os resíduos tecnológicos também são um grande problema. E nesses equipamentos tem muita matéria-prima que pode ser utilizada novamente. Um computador pode ser reparado e destinado a pessoas que não têm acesso. 

O que as cidades mais avançadas no tratamento de resíduos sólidos fazem de diferente de Belo Horizonte? Elas têm uma coleta seletiva em maior volume, tratam a questão dos resíduos da construção civil com mais eficiência, possuem um sistema de coleta de resíduos diário, em vez de ser apenas duas vezes na semana, possuem um aterro sanitário bem operado, junto com uma usina de compostagem. Então, é isso que faz a diferença. 

Na construção de uma possível usina de compostagem, de onde poderiam vir os recursos? Acredito muito nas parcerias público-privadas. Mas é claro que, para as empresas se engajarem em algo, tem que haver compensação. Não podemos esquecer que a carga tributária no Brasil é alta. Acho que uma parceria com essas empresas pode dar resultado. Elas podem divulgar o nome delas utilizando o marketing ambiental. Quando o consumidor percebe que aquela empresa presta serviço cuidando das questões ambientais, há um apelo nisso.

Os aterros sanitários atendem bem as necessidades das cidades brasileiras, em especial Belo Horizonte? Sim, no sentido de não impactar o ambiente com os resíduos. Acho que existem alternativas, e eu acredito muito no que nós chamamos de “consórcios municipais” para dar uma solução conjunta aos problemas dos resíduos sólidos. Este não é um problema que vai afetar apenas a cidade de Belo Horizonte. Nós temos os municípios vizinhos, e todos necessitam de uma solução para os resíduos. Não é qualquer área que pode virar aterro. Tem que ter disponibilidade de solo, licenciamento ambiental, tem que ser cercado, ter energia elétrica etc. Na capital, muitas vezes nós não temos essa área, mas outra cidade tem. Essa cidade pode oferecer a área, Belo Horizonte, os caminhões, com as pessoas operando; cada município pode ofertar um benefício para que o todo seja beneficiado.

Os resíduos produzidos em BH são transportados para a Central de Macaúbas, em Sabará, na região metropolitana. É suficiente? Hoje nós temos o aterro privado em Sabará, mas nós temos que buscar outras soluções, porque o tempo passa rápido, e 2033 (quando o contrato se encerra) está aí.

João Carlos de Castro Silva

Professor e coordenador do curso de engenharia ambiental e sanitária da Universidade Fumec. Mestre em saneamento, meio ambiente e recursos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Hidrólogo pelo Centro de Estudos Hidrográficos de Madri, na Espanha.

MORADORES DE RUA

Como você avalia esse crescimento da população em situação de rua? Muito mais do que um problema nas nossas cidades, é um fenômeno que materializa uma gravíssima condição de violência, que é o racismo estrutural. Uma prova disso é que, de acordo com a base de dados do CadÚnico, referência na elaboração e implantação dos principais programas sociais do nosso país, Belo Horizonte tem um número em torno de 9.000 pessoas em situação de rua, sendo que, dessas, 84% se autodeclaram negras. Então, nós estamos falando de um fenômeno que tem cor e, historicamente, é marcado por uma séria de violências estruturais.

Qual é o perfil das pessoas em situação de rua? É uma população que historicamente vive inúmeras violências estruturais de exclusão e segregação. Muitas, por exemplo, são pessoas que têm dificuldade de conseguir trabalho e renda, às vezes por uma questão de formação. Muitas não tiveram acesso a moradia adequada. Temos muitas pessoas no centro de BH que são egressas do sistema prisional, porque o sistema simplesmente solta essas pessoas e não pensa em uma política de inclusão na sociedade. Nós temos muitos casos de pessoas em situação de rua com sofrimento mental. Mulheres que sofrem inúmeras violências… Então, é uma população muito diversificada. 

Algum país conseguiu frear o crescimento de pessoas em situação de rua? O fenômeno da população de rua é mundial e, em cada país, ele tem as suas particularidades. As principais experiências que nós temos acompanhado e registrado sistematicamente no mundo passam, necessariamente, pela associação de três pontos fundamentais: moradia, saúde – e, nesse caso, também estou falando de saúde mental – e trabalho/renda. As experiências na Europa e também de algumas cidades do Canadá e dos Estados Unidos e, agora, no Uruguai apontam essa tríade.

A construção de mais abrigos faz parte da solução? Eles são equipamentos provisórios para a população em situação de rua e precisam ser revisitados, reavaliados e reformulados. Não é possível você pensar, como nós temos aqui, em Belo Horizonte, abrigos com 500 ou 400 pessoas. Precisamos de políticas de abrigamento que garantam dignidade a essas pessoas, e não de grandes depósitos de pessoas. Os abrigos em várias cidades do mundo são importantes, mas dentro de outra tipologia que já está prevista na política nacional da população de rua, e Belo Horizonte não segue. A política de moradia que deve ser criada deverá ser a grande articuladora das outras políticas na nossa cidade.

O que a prefeitura precisa fazer para frear esse fenômeno? A Prefeitura de BH precisa ter uma política de moradia especificamente voltada à população em situação de rua e construída com ela. Até então, as cidades têm trabalhado com outras políticas habitacionais, mas que muito pouco se dirigem às pessoas em situação de rua, como o Minha Casa, Minha Vida ou mesmo a concessão de bolsa-aluguel, aluguel-moradia. Nós precisamos ainda de políticas de saúde, de mais consultórios de rua na cidade, assim como políticas de educação e de trabalho e renda.

André Luiz Freitas Dias

Professor e pesquisador extensionista da UFMG, onde também atua como coordenador do Programa Polos de Cidadania da Faculdade de Direito e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Promoção de Saúde e Prevenção da Violência na Faculdade de Medicina.

Via: otempo